quarta-feira, 26 de abril de 2017

Paraíso

Eu não sei o que esperar da vida após a morte
Mas tenho fé que fantasmas não são surdos
Porque quero continuar a escutar as músicas
Que me levam a pessoas, momentos e sentimentos já vividos
Como acontece hoje

E confio em Deus
Que fantasmas não são mudos
E a eles é permitido
Sussurrar palavras de amor
Aos queridos quando dormem

E fantasmas são levinhos
Mas ainda têm o tato
Pra alisar gato, cachorro e raposa
(Raposa, sim, que eles já morreram!)
E sentir o pouso da borboleta

O paladar e olfato eu dispenso
Se o preço deles for a fome
A visão há de ser melhor
Para as nuances de todo bem que é invisível
Quando estamos ocupados vivendo

Eu nem sei se existe Céu
Nem se eu pertenceria a ele
Mas se existir, tenho esperança
Será a reprodução
De tudo o que deu certo pra mim na Terra

Mãos

Dizem que o coração é do tamanho da nossa mão fechada. Proporcional assim.
Então olho a minha, segurando a alça da xícara de café, e lembro das suas.
Proporcionalidade.
Como deve ser leve o meu coração na palma da sua mão.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Silêncio

Enfim o seu eco parou de soar
Como você não previu
Como eu sabia que aconteceria
E eu nesse intervalo incômodo
Como quem espera o próximo soluço
O que não virá

domingo, 23 de abril de 2017

Passageiro

Se você passar
Passe bem
Passe pelo tempo
Que merecer o meu
Que seja um bom passeio

E depois de passado
Passar bem
Se puser o pé na soleira
Quando eu bater a porta
Procure um ortopedista
(Todos tentam, nenhum consegue)

domingo, 16 de abril de 2017

Páscoa 2017

Creio em Deus quando me encontro no lugar certo, na hora certa, fazendo a coisa certa
Creio em Deus quando ele me retira da situação errada, na hora certa
Creio em Deus quando Ele deixa o tempo mostrar que a decisão certa foi tomada no tempo certo
Creio em Deus quando me poupa das consequências das decisões erradas, na hora errada e na hora certa
Creio piamente que Deus poderia ter feito de mim uma mulher com mais fé
(Por que não fez?)

Flor

Eu
Flor que ri
Já flori
Uma floresta
E a flor que resta
É sempre prova de amor

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Dúvidas

Quantos segredos cabem no coração de uma mulher?
Por quantos assombros pode uma alma passar sem se quebrar?
Quantos golpes de machado pra tombar uma árvore milenar?
Não são minhas essas perguntas. Mas, aparentemente, a vida quer as respostas.

Moinho

Quis o vento passar
E moveu o moinho
Quis o rio chegar ao mar
Trouxe alimento aos pescadores

Quis a abelha adoçar
Acrescentou mais flores
Quis você amar
E a manhã feliz se fez

Gaivota

Ao pássaro o vôo
O mais lindo enfeite do meu céu
O sorriso
O aceno
O beijo mandado de longe
Ao perceber que você passou

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Cozinha

Se a tristeza fosse massa de bolo
Que a gente deitasse em forma vazada de bolinhos, anunciando:
"Aqui jaz o amor que morreu
E aqui o plano pelo qual lutei, mas não deu
Aqui a ilusão de que o mundo é justo
E aqui o retorno da afeição que não veio
Aqui o desperdício voluntário
E aqui a saudade do que foi arrancado"
Esvaziado o coração
Iria este pra pia ser lavado
Ou rasparíamos com o dedo nessa tentativa desesperada de sentir a vida

terça-feira, 11 de abril de 2017

Administração

Talvez exista uma maneira bonita
De se falar de abandono
E um jeito poético
De lamentar a dor

Talvez enfeitando
A efemeridade dos bons momentos
Torna-se arte
O que poderia ser dor

E assim esculpindo formas
Da pedra crua
A gente se distrai enquanto
A morte não vem

Dessalgando as lágrimas
Adoçando o angu
Fingindo a felicidade
Que não se tem

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Para a Norma

Tomara que você
Olhe pra trás e sorria
Tomara que você
Entregue o coração
Pra alegria
Porque o seu sorriso
É de esperança
E a sua alma
A de uma criança

Para Norma De Souza Lopes

domingo, 9 de abril de 2017

Anjo

Ele chegou e me encontrou sentada chorando na sarjeta
(Alguns anos mais tarde assim me descreveria)
A meia calça desfiada
O rímel borrado
O olhar perdido em tudo o que era pra ter acontecido e não seguiu o roteiro
Sorriu uma careta adorável com rugas dos olhos ao queixo
Um jeito brejeiro de quem vive pro momento
Esticou a mão direita num convite
E eu nem tinha mesmo pra onde ir: muito tempo já havia que perdera o mapa, o tesouro e sua letra "X" desbotada
Me levantou num tranco
E chovia muito
Pendurou a minha tristeza num galho da árvore mais próxima como​ se fosse um guarda-chuva roto
E me levou pra dançar
Justo eu, que nunca acreditei em resgates

Eco

O momento dura
O tempo que ecoa na alma
O quanto é lembrado
Com calma
A duração do sorriso

E o que parece pouco
Na história se torna muito
No sonho se agiganta
Com carinho
O motivo do "não"

Então ficamos assim
Eu pra você
Você pra mim
Com afeto
O melhor desencontro do mundo

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Sinceramente

Eu não preciso de você
Do seu sorriso vaidoso
Do seu riso debochado
Do golpe da nossa música

De calcular a distância geográfica em meses
E a emocional em anos
De contar os dias até você voltar

Das ordens e
Da desordem
Em que você coloca os meus sonhos

Eu não preciso de você
Nem como personagem de história
Eu só quero. Mesmo.

Mastercard

Os meus débitos eu coloco na fatura
A vencer no dia da minha morte
É quando cobrarei Deus de não ter me criado perfeita
E o resto é vã filosofia...

Prece

Que se vier mesmo o meteoro
Ninguém sobreviva
Que toda mulher que engravide de propósito
Não sangre por nove meses
Que todo contrato seja assinado
Na intenção sincera de ser cumprido
Que se eu for internada num manicômio
Eu seja louca o tempo todo

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Lunação

Lunação

Quando eu te amei nova
Teu brilho me cegava
Crescente foi
Meu amor por você

Quando eu te desamei cheia
Minguou a cegueira
Porque luz ali tinha
Sol a minha

domingo, 2 de abril de 2017

Químio

Que a vida vem e se dá a você
Mas também toma de volta
A dependência e a inocência
A fragilidade e a saúde
A ingenuidade e a memória
A beleza e a decadência
Destrói os cancros
E as células sãs
Vida: essa quimioterapia incessante

Talvez

Talvez se eu ficar quietinha
Bem quietinha
E arquivar as fotos
Eu mantenha esse sorriso bobo no rosto

Talvez se eu tiver decorado
Todos os diálogos excluídos
Daqui a algum tempo
Sentirei saudades

Talvez se o sentimento for doce
E o carinho sincero
O fluxo siga leve
E as águas se acalmem sem queda

Talvez se eu ficar quietinha
Bem quietinha
Ah, quem estou querendo enganar?
Eu lá sei ficar quietinha?