quinta-feira, 21 de junho de 2018

Nômade

"... Já morei em tanta casa que nem me lembro mais..."
Mentira. Morei em 27 casas, em 8 cidades diferentes.
Mas isso não é o principal. Não pertenço a lugares. Pertenço a pessoas. (Morei com 22).

Amor

Ama-se quando entende-se que tudo passa. Inclusive a paixão.
Que crianças crescem e a adaptação às novas fases é necessária e nem sempre fácil.
Ama-se quando percebe-se que o prazo de validade foi atingido.
Que a fórmula de felicidade é diferente pra cada pessoa.
Ama-se quando aprende-se que filhos não são extensão de nós.
E que tem princípios que não se trocam por salário algum.
Ama-se quem enxerga o outro. Cuida. Acolhe. E deixa ir na hora de ir.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Rio

Toda água que passou carregou moléculas das rochas do fundo.
Eu chorei uns peixes que morreram nadando ao contrário para se reproduzir.
Aceitei a velocidade, o excesso, a escassez.
E vou resistindo enquanto o mundo é mundo

domingo, 10 de junho de 2018

Sobre cicatrizes

O tecido cicatricial substitui o saudável, perdendo a função original. Ele não é inervado, então, nem doer, dói. O que dói é o que está por perto, que às vezes é repuxado por ele. O que dói é o que é vivo.
Existem cicatrizes, porém, que cumprem funções mais importantes do que quando não existiam. Como fazer lembrar, por exemplo.

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Fértil

Aos 9 anos eu pari uma mãe capenga para os meus irmãos
Aos 16 anos eu pari uma mãe cuidadora para mim mesma
Aos 22 anos eu pari uma médica para o mundo
Aos 27 anos eu pari uma esposa
Aos 29, 32 e 33 anos eu pari filhos de carne e osso
Aos 43 anos eu pari uma mulher sozinha que escreve poesias
Porque eu não reproduzo: crio sem referências anteriores

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Para Arlene

Tem gente que lamenta tão bonito
Como se cantasse o mar seco no fundo da concha
Como se atravessasse o ferrão da abelha salivando um mel imaginário
Como se hipnotizada pelo vulcão envolvido por um amianto de negação

Como se fosse orquestra o barulho da quebra
E refresco só o final da dor
Com a resignação final da entrega
Como se sofrer fosse prova de amor

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Tristeza

Você...
Tristeza lânguida a escorrer pela face
Um murmúrio da alma que soa a prece
(mas é lamento)

Nesse escoar lento da esperança
Se lança ao mar a minha última embarcação
(Quem sabe a tempestade chegue antes da próxima praia)

Ame

Ame quem está ao alcance
De quem se foi, ame a lembrança
De quem não chegou, ame a possibilidade
De quem passou, ame o eco

Ame o que não deu certo
Ou deixou de dar
Ou nem existiu

Ame o doce, o amargo, o incerto
O invisível
E até o que feriu

Ame a vida, enfim
Um dia ela será finda
Que a sua bagagem de memórias
Seja linda, linda, linda...

sábado, 2 de junho de 2018

Profecia

Que era pra eu viver com você
Seis mil, quatrocentos e cincoenta e dois dias e meio
Três países
Cinco partos
Dois velórios
Sete furacões
Nove moradias
Um natimorto
Oito cirurgias
Dezesseis tornados
Incontáveis viagens
E uma grande mentira
O periquito do realejo não previu

Saudade

A gente aprende a lidar com ausências
Tenta ser feliz com o que se tem
Mas às vezes para pra sentir direito
E vê que saudade existe, também

Às vezes nem é da pessoa
É da sensação de se ter alguém
Porque amar a si mesmo é divino
Mas amar ao outro também