quarta-feira, 29 de março de 2017

Operação

Aos 22 anos, percebi que ler de longe o destino do ônibus era cada vez mais difícil.
Fui ao oftalmologista sem contar pra ninguém. Comprei um óculos avantajado de armação de acrílico cor de vinho. Cheguei de manhã ao hospital, meu professor, que me via todo santo dia, me perguntou se eu havia trocado o óculos. Respondi que​ "sim" com a cabeça. Por dentro, ri. Ele era tão egocêntrico, eu não poderia esperar outra coisa.
À tarde, fui procurar o meu amor. Me contaram que ele estava no centro cirúrgico. Raridade. Pensei "perfeito!". Camadas e mais camadas de roupa, um gorro escondendo o cabelão, máscara e só os olhos com aquele óculos enorme que ele não conhecia. Cheguei junto da mesa, ele não era o cirurgião principal e estava com cara de entediado. Passou os olhos por mim várias vezes. Tentei ficar séria. Mas na hora que me reconheceu, os olhos brilharam e se apertaram no sorriso. Depois me disse que jamais esperava por aquilo. E depois não aprovou a minha cirurgia plástica. Era doido por uma nariguda de óculos.
Esses dias, uma amiga me perguntou se sinto falta dos meus 20 anos. Respondi que não. Só dele.

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