segunda-feira, 21 de março de 2016

Vinhos

Sou uma sommelier de pessoas.
As que me despertam curiosidade eu chamo para a minha taça. Homens e mulheres, de todas as idades.
Convite aceito, observo. Discretamente. Mas contra a luz. Se gosto do que vejo, cheiro e bebo, no limite do que me é permitido. Nenhuma conotação sexual aqui. Na vasta maioria das vezes.
Não vai passar batido que a íris é castanha com raios verdes e o riso sai fácil. E que forma uma covinha na bochecha direita, que, talvez não por coincidência, foi a mesma que elogiou em mim.
Na outra, se destaca a linha do nariz. Na outra, a orelha miudinha, perfeita.
A voz. O perfume. O hálito. A aspereza ou a maciez das mãos. O olhar. O jeito de se inclinar. As histórias. As cenas em que me colocam. Quão bem são descritas.
O último namoro, o rompimento. Ter olhado para mim e não ter me visto: tudo se encaixa. Muito faz sentido. Flui.
O jeito que lava as mãos: igual a um cirurgião, até os cotovelos. Entendo o porquê.
Os olhos que mareiam porque a ferida, estranhamente coincidente com a minha, ainda não cicatrizou. O livro que poderíamos escrever a quatro mãos.
E por aí vai...
E isso não tem nada a ver com apego ou paixão. Ou pode até ter, mas ao ser humano, e alguns são encantadores. Não romântico, não uma procura, não um cálculo dos possíveis desdobramentos. Duas pessoas vivendo um momento. Criando um movimento. Acolhendo.
Eu não desenho ou pinto, mas meus olhos os enxergam em detalhes e registram. Posso não notar com realismo todas as nuances, mas eles me causam impressões e memórias factuais e emocionais que resistem ao tempo. Talvez eu consiga usar as palavras para expressar vagamente a experiência. Vale a tentativa.
Enriquecedor. Sempre. Com os vinhos certos. Vinagres são descartados na pia.

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