domingo, 24 de julho de 2016

A. B. C.

Àquela altura, eu tinha 19 anos e ele, 23. Ousou trazer uma garrafa de vinho, que dividimos em canecas de porcelana, porque eu morava numa semi-república, e nunca fui de beber, mesmo. Não tinha taça, e não fez falta.
E aí pudemos dar os beijos que não demos 6 anos antes, quando a madrasta dele disse para a minha tia que ele gostava de uma das sobrinhas dela, e eu achei que, obviamente, só poderia ser a outra: a morena de beleza exótica, que era vizinha, mas também a chamava assim. Mas na travessia da balsa, a minha tia apontou para a minha cabeça, e ela fez um sinal de positivo, e eu achei que fazia muito sentido, porque a gente tinha, mesmo, conversado sem parar, na beira do palco do Teatro Municipal de Santos, sobre como as nossas famílias eram tribos, e bater papo já era o meu forte, naquela época. Eu também tinha desconfiado que quando ele dava caldo na irmã, no mar, era para me fazer dar risada e nadar até lá para salvá-la e chegar mais perto dele. Pobre ruivinha.
Daí ele resolveu dizer que eu atraí a atenção dele desde o começo, e eu, com essa minha memória e sinceridade irritantes, contei que não, não tinha sido assim. Ele ficou muito sério e esperou a explicação. O fato foi que na virada de 1983 para 1984, ele estava com o único irmão que tem lá na Escola de Samba X-9, e eu o paquerei insistentemente, e fui total e completamente ignorada. Nem uma única olhada me deu. E contei como eu tive vontade de chorar, porque eu sabia da superstição de que tudo o que acontece na virada do ano vai acontecer em todos os dias do ano. E eu acreditei sinceramente, e com tristeza, que seria esnobada pelos meus paqueras pelo resto do ano.
Ele riu e a nossa história não terminou por ali. E eu nem sei se terminou, ou se ele vai continuar como tantos dos meus amores, que parecem pedras que são jogadas com força num lago, que quicam várias, várias vezes, em espaços variáveis de tempo, até pesarem para alcançar o fundo, onde nunca serão esquecidas, A não ser que Deus o liivre, o Alzheimer chegue, mas ainda terão uns quarenta anos para render histórias. E poesia.

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