sábado, 2 de abril de 2016

Weston

Só entende o estrago de um furacão quem passa por ele. É um monstrengo que se forma em alto mar, monitorizado pelos noticiários da TV muitos dias antes. Mostram um mapa, uma localização e um cone projetando o possível caminho que seguirá.
Você vai dormir. No dia seguinte, ele está mais perto da terra firme, em algumas horas, o cone se afunila, e vc descobre que essa desgraça vai passar em cima da sua casa.
Vivi isso sete vezes, em dois anos.
Daí é aquela correria pro supermercado. Cheguei a ver gente se engalfinhando por prego, água engarrafada, leite em pó. Eu aproveitava a desculpa pra comprar leite condensado, que acabava antes do furacão chegar.
Cobrem-se as janelas com metal ou madeira. Colhem-se os côcos, que viram bolas de canhão, se deixados ali. Quem não recolhe a tradicional cesta de basquete provavelmente acaba tirando-a de cima do carro.
Existem categorias diferentes de furacão, a estrutura da cidade varia (na que eu morava, toda a fiação era subterrânea, então nunca fiquei sem luz - estranho ver no mapa o furacão passando na sua rua), a extensão, etc.
Dentro do furacão, podem ser formados tornados, que são aqueles funis visíveis que carregam vacas, carros, barcos... Mas são poucos.
Cansa ficar preso em casa. Às vezes, a sensação é a de estar dentro de um avião, dentro de uma tempestade, pelo barulho. Mas se você tem três filhos pequenos (dois na fralda) e um marido viajando que não pôde voltar porque o aeroporto está fechado há três dias, provavelmente você vai brincar de roda o tempo todo, e ninguém vai nem se tocar do que está acontecendo. Uno é legal, assistir desenhos... Nessa hora, é melhor companhia de criança, mesmo, bem sem noção.
O pós é cenário de guerra. Casas destelhadas, ruas obstruídas por árvores, às vezes imensas, seculares, que foram arrancadas pela raiz. Só sobrevivem palmeiras, flexíveis e pouco frondosas, que permitem que o vento passe por elas, sem resistência.
Mas o interessante é que é justamente no pós que acontece a maioria das mortes. Por quê? O Fulano desobedece a orientação das autoridades, e sai para avaliar os danos. Fio no chão, na água, é eletrocutado. Paga caro pela ansiedade.
Até a desgraça tem fatos curiosos. Até nessa hora há de haver equilíbrio emocional.

Um comentário:

  1. relato bem explicito. É preciso muita força para reconstruir e não ficar traumatizado

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