quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Pré-conceito

Morei na Flórida durante 2 anos e sete furacões, entre 2004 e 2006. Naquela época, já tinha os três (5 anos, 1 e meio e 7 meses). E já não aguentava ser uma médica disfarçada de dona-de-casa. Esse negócio de: "não importa o dia da semana que é, feriado, ou não, levante, arrume a casa, lave e passe roupa, alimente a família, troque fraldas e etc" não é comigo! E já tinha me arrastado nessa toada por 3 anos e meio.
Então decidi trabalhar. Não poderia ser como médica, antes de validar o diploma (coisa que fiz) e repetir a residência (80 h por semana, por 7 anos - não deu, não). Eu não era uma médica cubana no Brasil, nada de facilitação...
Comecei, então, a trabalhar como técnica em eletrocardiograma, na Cleveland Clinic Florida. Só não recebia ordens da faxineira, estava no nível mais baixo da cadeia alimentar. Mas foram os 18 meses mais felizes que passei nos EUA. Eu era respeitada por todos (sabiam da minha história real), tinha atribuições que aqui no Brasil são apenas de médicos, fazia muito mais do que a minha função, e estava de volta ao meu aquário: um hospital, cuidando de gente doente! Era o Paraíso!
Quando ficou muito difícil administrar as crises de asma e conjuntivites da minha bebê, conectaram o meu computador com o da clínica, e me deixaram trabalhar de casa, quando precisasse.
Um dia, conversando com um casal de senhores, me perguntaram por que eu morava nos EUA, sendo brasileira. Respondi que meu marido (na época) trabalhava na Caterpillar.
- O que ele faz? - perguntou ela - Dirige trator?
Achei engraçada a pergunta - como eu tinha um trabalho simples, ela presumiu que ele também teria. Eu só não esperava a continuação... Ri, e respondi:
- Não, minha senhora... Ele é engenheiro.
Ela levantou as sombrancelhas, sorriu, deu uma piscadinha e uns tapinhas nas minhas costas:
- Espertinha você, hein? Garfou um engenheiro!!!

Nenhum comentário:

Postar um comentário