quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Começo

Ela vestiu a roupa branca, as luvas, o colete, o protetor de seios e repassou consigo mesma alguns dos movimentos e regras do esporte. Mas, como sempre, metade da mente se dedicava a um assunto, e a outra metade, a outro. Sentou-se no banco, no meio do vestiário, ao lado do florete e da máscara metálica, enquanto a aula não começava.
"Três assaltos, três minutos cada."
Três meses.
"Primeiro, cumprimentar com as armas".
Conheceram-se na inauguração do Setor de Odontologia da empresa. Ficaram amigos de cara, e logo estavam se comunicando todos os dias, por mensagens ou telefonemas. Sorrir e rir eram como respirar ao lado um do outro: inevitável e natural.
"Colocar as máscaras".
Ela soube, através de outras pessoas com quem trabalhavam, que ele estava noivo. Achou interessante que ele não usasse aliança, e nunca tivesse mencionado o fato. Já fazia tempo que a conversa não era mais apenas sobre pacientes.
"Frase d'arma: no caso de toque simultâneo, quem começou o ataque ganha o ponto."
Um dia, ela estava saindo do estacionamento e ele chegando, a pé. Ela já tinha notado o carro dele. Talvez tivesse ido até a banca, porque trazia uma revista debaixo do braço. Parou, abriu o vidro para cumprimentá-lo. Ele se inclinou prá frente:
- Boa tarde! - deu uma pausa - Mas você cheira bem, hein? - e deu-lhe um selinho. Ela ficou meio tonta, riu e foi embora.
"Marchar: movimento para a frente, calcanhar sempre toca o chão primeiro".
Continuaram as mensagens como se nada tivesse acontecido. Mas logo ela confessou que já não o via mais como amigo, e quando ele demorava para puxar assunto, ela sentia um vazio e ansiedade difíceis de se lidar. Ele desconversou.
"Romper: movimento para trás."
No final-de-semana seguinte, já tinham combinado, iriam ao Congresso Paulista, juntos. Ele pegaria carona com ela. Na véspera, à noite, ligou, com uma desculpa esfarrapada. Ela foi sozinha, e o evento perdeu o brilho. Tentou se concentrar no benefício de estar lá, cientificamente falando.
"Guarda: posição de defesa, entre um movimento de ataque e de defesa."
Ela voltou a conversar sobre assuntos profissionais, sem disfarçar a mudança. Quando as perguntas voltavam a ser pessoais, respondia secamente, e desligava o mais rápido possível, dando a desculpa de que o sinal estava ruim.
"Balestra: salto curto em direção ao adversário, na intenção da estocada (golpear com a ponta da arma), finalizado com o afundo, posição em que o braço armado fica estendido para a frente, o outro para trás, a perna direita dobrada à frente, e a outra, estendida para trás" - Achava o movimento mais lindo da esgrima.
Naquela tarde, ele telefonou e a convidou para jantar. Disse que precisavam conversar. Ela sorriu. Discussão de relacionamento? Que nem existir, existia? Não tinha havido nenhuma fofoca a respeito dele rompendo o noivado, nos últimos dias... Ficou curiosa e aceitou.
"Ataque por destaque: enganar o adversário, ameaçando tocar numa região do corpo, e tocando em outra."
Suspirou aliviada. Sentiu que já sabia o básico. Agora só faltava praticar.
A professora chegou, e enquanto ela se trocava, perguntou a quantas andava a paquera dela com o colega. Ela contou que jantaria com ele.
- Ah... então outra luta começa, quando acabar a daqui? - a outra se divertiu.
- Luta, não, professora. Jogo! E hoje é noite de xeque-mate! - deu uma piscadinha.

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