quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Família

Dona Carolina cozinhou desde cedinho o almoço para a família. Finalmente, conseguiria reunir os quatro filhos, inclusive as casadas, e os netos, para a Páscoa.
As mais velhas já tinham chegado na noite anterior, e ajudavam na cozinha. Os maridos estavam na sala, assistindo televisão e jogando conversa fora, com as três crianças, que brincavam de jogos de tabuleiro. O dia estava quente demais para ficar no quintal, então preferiram o ar condicionado.
O pai e o filho mais novo, de 23 anos, o único que morava com eles, e estava terminando a faculdade, tinham ido ao supermercado para uma compra de última hora.
A mãe estava contente e não se importava com a trabalheira. Todos estavam bem, saudáveis, os homens com bons empregos, as mulheres realizadas, e ela não sabia de brigas recentes entre eles. Sentia-se colhendo os frutos da grande dedicação à família.
Perto do meio-dia, o padre chegou, e logo depois a terceira filha, que estudava fora. Houve alegria, os abraços emocionados, o clima festivo de sempre.
O caçula foi buscar a namorada, que tinha arranjado fazia três meses. Dizia estar apaixonado, que ela era lindíssima e muito gente boa. Todos estavam curiosos. Ele nunca tinha trazido alguém para ser apresentada, e ela aparentemente era muito tímida, nunca deixava tirar uma fotografia.
Logo que o casal chegou, porem, instalou-se um clima estranho, sentido por todos os adultos, inclusive o padre. Só os pombinhos e dona Carolina não perceberam. Um olhava para o outro, discretamente, e fazia uma expressão de "você viu?". A conversa não fluía. Se alguém contava uma piada ou fazia uma gracinha, as risadas eram forçadas e desproporcionais. Todos tentavam relaxar, mas não conseguiam.
Dona Carolina e a moça, porém, pareciam velhas amigas. Conversaram o tempo todo, se entenderam, prometeram se adicionar no facebook. A visitante ajudou com a louça depois do almoço, que garantiu que estava delicioso. A mãe ficou satisfeita com o resultado e elogiou a escolha do filho. (Aliás, nunca tinha deixado de dar sua opinião em cada aspecto da vida dos filhos, doesse a quem doesse).
Distribuíram os ovos de chocolate, o café foi servido, o padre foi embora, e o moço levou a namorada para casa.
Quando voltou, notou as pessoas muito sérias, ressabiadas, como se tivessem algum segredo entre elas.
A irmã solteira cochichou para que eles fossem para fora conversar, sem que a mãe notasse. Ele estranhou. Parecia que ela tinha sido escolhida a dedo pelos outros para isso, porque tinham um histórico de serem muito apegados, mesmo.
Ela tentou, delicadamente, fazê-lo perceber que a semelhança física entre a moça e a mãe deles, bem como o temperamento, era muito grande. Quis saber se ele tinha percebido. Talvez fosse inconsciente, ela não entendia muito do assunto, mas ficou preocupada. A princípio, ele riu, falou que era um absurdo, que elas eram totalmente diferentes, nada a ver...
A irmã não se deu por rogada. Entrou, pegou uma foto do casamento da mãe, a máquina fotográfica, com fotos daquele almoço, e colocou as duas imagens próximas uma a outra. O moço foi pego de surpresa. Levantou as sombrancelhas, arregalou os olhos, colocou a mão sobre a boca. A semelhança era realmente inquestionável. Horrorizou-se!
Nunca mais a procurou e nem respondeu aos telefonemas e mensagens dela. A coitada nunca soube o porquê. (Ai, que dó!).


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