terça-feira, 28 de abril de 2015

Pele

Na consulta, durante o exame físico, a primeira vez em que toco o paciente, já sentado encima da maca, é na perna. Geralmente, me agacho, levanto a barra da calça dele e aperto a pele ali, na parte da frente, para ver se está inchada, e já verifico se tem varizes. Deslizo a mão para trás, na panturrilha, para ver se a consistência é a esperada, ou se há dor. Esse gesto geralmente pega o paciente de surpresa, porque me coloco numa posição abaixo dele, como se o estivesse servindo - e, na verdade, estou. Sinto que me inclino pedindo licença para começar o exame, e gosto que seja assim, mesmo que ele não note.
Aí, me levanto, e abaixo a pálpebra inferior dele, para ver a coloração. Depois, eu ausculto o coração, o pecoço, o pulmão atrás, peço para deitar, apalpo o fígado, verifico o pescoço de novo. Tudo isso envolve toque, de uma maneira calculada, mais visão, audição, olfato, tudo ao mesmo tempo, enquanto o cérebro trabalha e vai colecionando os achados, para serem escritos no prontuário.
Mas hoje percebi que nada me faz sentir a pele e a vida do ser humano com quem estou lidando tanto quanto medir o pulso. Decerto que escutar o tum-tum do coração e o ar entrando e saindo dos pulmões é muito gostoso e vívido, com suas possíveis variações, mas no punho eu sinto a pele e sua consistência, a troca de energia, e grande diferença entre as pessoas.
Prá começar, quando se mede a frequência cardíaca através do pulso, não há muito mais distrações: conta-se o número de batimentos em quinze segundos, multiplica-se por quatro, está feito. Percebe-se a regularidade daquele sobe e desce, toca e afasta da artéria nas polpas dos dedos. O paciente está bem quietinho, esperando acabar, e assume uma postura calma, ou ansiosa, demonstra confiança, ou evita os olhos da gente. No paciente novo, a pele sadia, íntegra, grossa, elástica, a força do sangue bombeando, aquele vaso sanguíneo cheio de vida encanta e apazigua como se disesse "aqui está, comprove a minha saúde". E daí prá frente, as tantas nuances, até chegar na senhorinha que examinei hoje: sua pele fininha parecia poder rasgar-se se eu roçasse a minha unha, a textura de papel de cigarro, e seu pulso, fora do ritmo, parecia as batidinhas de asinhas de uma borboleta lutando pela vida. Mas não se enganem, ela estava bem, apesar da arritmia. Ao contrário de pacientes com a pressão arterial baixa ou em choque, nas quais a gente sente o pulso como um filetinho débil, um riozinho que mais parece uma canaletazinha de água correndo no meio-fio, depois que a chuva parou. Ali a gente percebe que tem que agir rápido, contra o tempo!
Sei que para muitos essa descrição não vai fazer muito sentido. Talvez faça mais para os trabalhadores da área de saúde que gostam do que fazem. É apenas um devaneio de alguém que se deslumbra com o que faz. Nunca me cansarei de procurar o que torna cada ser humano único, e cada momento da vida algo ímpar, inclusive em termos de saúde.

4 comentários:

  1. Que lindo, amiga... consultei, com você. Um brinde à vida!

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  2. É aquilo que mais aprecio no médico é a atenção com que se apercebe e lê os sintomas..para estruturar o seu diagnóstico...Há médicos, que falam e perguntam, olhando o registo que vão fazendo no computador..o doente é transparente..

    Gostei desta médica.

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    1. Obrigada, Diamantino. Tenho a sorte de não trabalhar sob pressão. Me deixam dedicar o tempo que eu achar necessário para o paciente. Fica muito mais pessoal. É difícil trabalhar em pronto-socorro, por exemplo, em que a correria faz todo mundo ser um a mais. Abraço!

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