domingo, 19 de abril de 2015

Tanto Mar, Tanto Amor

O maior medo dela era que ele fosse embora e não tivessem a chance de se despedir.
Sempre, ano após ano, tinha pedido, até implorado, para que ele a acordasse antes de sair pro mar, para pescar. Mas ele era rude e não entendia o coração das mulheres. Acordava, ainda escuro lá fora, fazia o próprio café e saía, com seus companheiros, sem olhar prá trás. Ela, exausta pela labuta do dia anterior, ainda imóvel na cama, não dava conta de acordar. Quando se levantava, com o choro do nenê, amaldiçoava o sono pesado e começava a rezar.
Nos raros dias em que o encontrava ainda na praia, consertando as redes ou vendendo ele mesmo os peixes, soltava um suspiro de alívio e agradecia ao Senhor mais cedo do que o normal.
Quando ele adoecia, tinha um prazer estranho de tê-lo por perto e poder demonstrar seu amor, cuidar dele.
Em dias de tempestade, seus olhos eram mais salgados que o mar. Trancava-se em casa com seu terço benzido, e todos da vizinhança sabiam que bater à sua porta antes que ele voltasse era receita para um ataque de histeria. Deixavam-na quieta com seus medos, e somente ele voltando a salvo aquietava-lhe o coração.
Detestava a música da Clara Nunes, em que o pescador se despedia, entregando-se para Iemanjá.
Porque o que mais a agoniava seria a lembrança das suas mãos calosas no seu corpo numa noite, e ele ir embora no dia seguinte, sem se despedir.

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