sábado, 31 de janeiro de 2015

A Centelha Pentelha

Ao mesmo tempo que as formas materiais dos seres vivos foram criadas, também foi o mesmo número de centelhas de vida. Não chegavam a ser almas, mas já tinham características próprias e desejos, e foram entrando nos corpos, dando vida e habitando o planeta Terra. Puderam escolher livremente o tipo e o sexo que habitariam, conforme a inclinação.
Todas as possibilidades estavam expostas como num zoológico, com informações sobre cada uma delas, facilitando o trabalho. Assim, as mais agressivas tornaram-se selvagens, as mais tranquilas, depois viriam a ser domesticadas, e assim por diante, conforme o temperamento. Eram dirigidas ao que escolhiam por ordem de chegada na "fila dos decididos". Algumas demoravam demais, e não conseguiam ser o que queriam, porque outra já tinha escolhido antes.
Foi o que aconteceu com a centelha de número 453, o personagem principal dessa estória. Para seu azar, era uma centelha muito da assanhada, e resolveu escolher baseada em sua futura vida sexual. Decidiu ser macho, pois que percebeu que no Reino Animal, via de regra, a fêmea trabalhava mais, e era preguiçosa. Mesmo não tendo assumido um corpo ainda, já era machista, também.
Assim, nenhum ser com a palavra "reprodução assexuada" lhe interessou, como a estrela marinha, por exemplo.
De cara, já descartou ser um cavalo-marinho, que fica grávido e dá a luz a até 500 cavalinhos. Achou exagero.
Também não quis ser um cisne, pássaro fiel a vida toda ("tédio", pensou, revirando os olhos), que cuida dos filhotes e constrói o ninho. João de Barro, o "pedreiro que pode ser corno", nem pensar!
Outras centelhas íam escolhendo com menos exigência, e a lista de opções rapidamente diminuía. Mas a 453 estava muito distraída, queria ter certeza de se dar bem.
Pensou na opção de fazer sexo com outros machos, ampliar as possibilidades, como as girafas, gaivotas, bisões, golfinhos, mas achou muito moderninho e teve medo que doesse. Ser girafa também implicaria em beber a urina da fêmea, ficou com nojinho. Não seria nenhum desses.
Hermafroditismo, ou mudar de sexo depois de um tempo, como o peixe palhaço até soou interessante, mas também não quis.
Queria ser macho, bem machão, com um membro enorme, que não deixasse dúvidas (nada de dimorfisno)! O do canguru era bifurcado, deveria ser uma delícia a penetração dupla, mas a aparência era esquisita. Não seria a maioria dos aquáticos, que tinham fecundação externa. Queria sentir o quentinho de dentro da fêmea, de preferência várias vezes e por um bom tempo. Nada de ser rato, que dá uma em até 3 míseros segundos. Também lêmur não seria, porque o coitado tinha um pseudopênis. Talvez uma baleia azul, que tem o maior do mundo... Ficou em dúvida. Decidiu olhar mais opções.
E a lista ía diminuindo...
Passou rapidinho da abelha para o próximo, porque leu que só a abelha rainha estaria disponível, e seu motivo de orgulho ainda por cima poderia quebrar dentro dela. Tremeu só de imaginar a cena.
Ficou entre ser um galo, para poder dar umas boas bicadas nos cangotes das galinhas, e ter um harém delas, um bug love, que faz sexo 56 horas seguidas, ou um leopardo, que pode se garantir por até 120 atos em 8 horas.
Interou-se de mais informações sobre algumas outras possibilidades, e decidiu ser um leopardo.
Porém, para seu azar, quando entrou na fila, só havia um ser vivo que ainda não tinha recebido sua centelha de vida: a viúva-negra macho. Suando frio, nossa querida 453 leu na descrição: "a fêmea pratica o canibalismo do macho, pós-coito".





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