quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

O Casal

Apaixonaram-se um pelo outro por serem parecidos fisicamente. Pode soar estranho, mas assim que foi. Se trombaram pela vida, olharam um para o outro, e era como se olhar no espelho, em sua própria versão, no gênero oposto. A mesma cor de olhos e cabelos, formato do rosto, os lábios mais carnudos do que se esperaria em gente caucasiana. Se encantaram, trocaram os números de telefone, e... a semelhança parou por aí. Mas nada impediria que se amassem, no final das contas.
Ela guardava cada centavo que tinha para o futuro e o tempo das vacas magras. Ele guardava tudo o que ganhava durante o ano inteiro, e torrava numa viagem, no final do ano.
Ele morria de ciúmes. Ela morria de rir disso.
Ela curtia teatro, cinema e se embebedar. Ele frequentava as casas dos amigos, acordava cedo e adorava cozinhar.
Ela tinha um medo infundado de tirar carteira de motorista. Ele tinha brevê de piloto de avião.
Ele tinha voltado a morar com a mãe, depois do divórcio. Ela comprou um celular e não deu o número para os pais.
Ela raramente trocava de óculos e não usava condicionador. Ele se desesperava a cada ruga nova e rezava pela descoberta da cura da calvície, antes mesmo que ela chegasse.
Ela sonhava com véu e grinalda, família e filhos. Ele tinha feito vasectomia, e não disse.
Ele lia uma história e pensava em contar prá ela, frisando a moral da mesma. Ela escutava uma música nova e não via a hora de "tirá-la" no violão prá tocar prá ele.
Ele gostava de ópera. Ela desfilava na escola de samba todo Carnaval.
Ela avisava que um dia teria que ir embora. Ele prometia, rindo, se suicidar, quando isso acontecesse.
Ela tinha marca de biquíni fio dental. Ele era experiente e tinha muito a ensinar.
Ela amava as pessoas e suas esquisitices, surpresas e golpes de sorte. Ele fazia questão de controlar o que pudesse da vida dos dois, e desconfiava de desconhecidos.
Ela falava como metralhadora quando nervosa. Ele nunca perdia a compostura.
Ela tinha doado um rim para um irmão. Ele lia para os idosos no asilo.
Ela admirava a maturidade dele. Ele queria ser corajoso como ela.
Ambos sabiam que não havia futuro para o relacionamento. Ele falava abertamente. Ela mudava de assunto.
Ele ficava com o rosto todo vermelho, com facilidade. Ela tinha resposta para tudo e vergonha de nada.
Ele acreditava que o destino estava impresso no DNA da gente. Ela acreditava que a disciplina levava à concretização de qualquer sonho.
Ela era a favor do aborto. Ele ía à missa todos os domingos.
Ele detestava as roupas dela. Ela não suportava o partido político dele.
Ela aprendeu a Dança do Ventre prá exibir prá ele. Ele não iria à praia de sunga nem morto!
Mas o dia da despedida chegou, como previsto, um golpe mais duro nele, do que nela.
Porque ela se entregou prá uma nova vida, outras companhias, e diferentes possibilidades. Ele ficou onde tudo lembrava ela. Então, depois de cinco meses, ele fez as malas e partiu em busca dela. Encontrou-a esperando por ele, apesar de tudo. Estão juntos e felizes até hoje, com dois filhos adotados.
Porque a estória é minha, e eu dou prá ela o final que eu quiser. Inclusive o da Disney. (Piscadinha).

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