segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Orquestra

Acordo cedo e procuro qual gato está dormindo nos meus pés. Acaricio, levanto, vou até o quartinho deles, troco a água, encho o potinho de comida, limpo a caixinha de areia.
A essa hora, a minha empregada provavelmente já está dentro do ônibus, vindo prá minha casa, para limpá-la e ficar com os meus filhos para eu trabalhar.
Tento, em vão, arrancar a minha filha da cama (já que é férias). Dou o remédio da manhã para o outro filho, que está tratando uma infecção na pele. Ele mal acorda, e diz "obrigado, love you", com voz de sono e de adulto. Nunca deixo de me assustar com a voz dele. E o tamanho.
Descendo no elevador, o zelador me chama no telefone e avisa que vai subir e verificar o vazamento da pia, ainda hoje. O porteiro está indo embora, o outro está chegando, e a segurança do prédio me dá paz de espírito para pensar em outras coisas.
Começo a minha rotina com os pacientes: pesar, medir altura e circunferência abdominal, fazer eletrocardiograma, orientar, pedir exames, fazer prescrições e encaminhamentos, etc. Ligo para um e outro para saber a quantas anda a marcação de um exame, da semana passada. A administradora e as secretárias me socorrem, quando o sistema falha, porque receberam mais treinamento do que eu, nisso. Deixo recado na caixa postal do colega cirurgião, pedindo que entre em contato para discutir um caso.
No meio da manhã, ligação para o restaurante, para mandar entregar o almoço, em casa. A dona dele me conta da filha, que vive às voltas com crises de sinusite e bronquite, mas vai bem, obrigada.
Antes de ir para casa, almoçar, passo na quitanda comprar salada e frutas, o maracujá prá minha menina, que não pode faltar. A moça me ajuda a escolher, porque não sou muito boa nisso.
Durante a tarde, troco umas mensagens no celular com gente que precisa em graus variáveis da minha atenção, ou se preocupa em graus variáveis, também, com algum assunto meu. Ou só pelo prazer de entrar em contato, mesmo. Tem gente tão querida nesta vida...
Telefonema diário para a minha mãe, sempre pronta a ajudar, e eu, vigiando as necessidades dela. E, claro, ela muito disposta a ouvir toda e qualquer novidade sobre os netos.
Terminada a jornada de trabalho, chego em casa, e a atenção é pros filhos. Fazer a janta (às vezes, porque às vezes, vai nuggets, mesmo!), escutar as estórias, assistir os vídeos que garimparam na Internet, ser interrompida em tudo o que eu tentar fazer no computador. Rir, se preocupar, educar, mandar tomar banho, mediar disputas, ou ficar na retaguarda, caso alguma surja.
Isso sem contar o que não é feito todo dia: levar ao oftalmologista, dentista, conversar com professoras/orientadoras educacionais, cuidados comigo mesma (caminhadas, salão, terapia). Delícia ter pessoas se dedicando a isso! Eu não conseguiria, jamais, dar conta de tudo, sozinha.
Lembro de uma estória que li no Facebook, uma vez, que dizia que havia um caldeirão de comida, com pessoas em volta, com colheres de cabo muito comprido, que não tinham como ser usadas para si próprias. Que a solução, foi, então, cada pessoa alimentar a outra, cuja boca a colher alcançava, e assim, ninguém passava fome. Acho que é por aí. Como uma orquestra: cada um com seu talento e instrumento, fazendo a sua parte.
É óbvio que sempre tem um folgado que não está tocando, ou está contribuindo pessimamente para o resultado final, mas dificilmente desmerece os outros esforçados. Ou, pelo menos, não chega a atrapalhar o meu dia-a-dia.
Gosto de olhar para os que se dedicam a uma profissão, gostando ou não do que fazem, seja pelo dinheiro ou qualquer outra razão, mas fazem diferença no mundo. Embelezam, facilitam, lubrificam as engrenagens, dão sensação de segurança, acolhem, consertam, julgam, punem, organizam, entretêm, cuidam, transportam, abastecem, servem, criam, e tudo o mais que justifique a existência.
E assim, vou curtindo a minha rotina, porque, graças a Deus, eu toco o meu instrumento preferido!

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