sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Mulherão (número 2)

Dizem que quando a gente está para morrer, passa um filminho de retrospectiva na cabeça da gente. Pessoalmente, acho mais provável que a gente tenha aquela sensação de queda brusca da pressão arterial, como quando a gente levanta rápido e sente que vai desmaiar. A orelha deve esquentar, a vista escurecer e qualquer dor parar. Mas tudo bem. Depois que acontecer comigo, posto aqui no blog prá esclarecer prá vocês.
Mas, voltando ao assunto: se o tal filminho passa mesmo, com certeza a pessoa que mais vai aparecer no meu chama-se Luciana. A melhor amiga desde a adolescência. Com centenas de testemunhas para comprovar a veracidade da afirmação.
Entrou na minha vida igual a pimentinha que é. Entenda-se: ela numa esquina gritando os palavrões que conhecia, aos treze anos de idade, e eu na outra, com os meus, aos catorze. Não tínhamos ido com a cara uma da outra. Mas, graças a capacidade de perdão das duas e a uma bola de voleibol que ela ganhou de Natal (e graças a Deus!), demos chance e a amizade chegou, devagar, mas firme e forte.
Junto com a amiga, ganhei uma família. A Lu é a filha caçula de uma tropa de dez irmãos: Cida, Célia, Zé, Sueli, Heloísa, Júlia, Selma, Sandra, Denise, ela. Não necessariamente nessa ordem. Levei bem uns três anos para decorar todos os nomes e rostos, que são bem parecidos. Porém, elas têm temperamentos diferentes, aquela história dos dedos das... bom, nesse caso, duas mãos. Os dos maridos e filhos, levou mais uns dois anos, e a outra geração, eu nem tento decorar. Aguns deles já foram meus pacientes. Esses, conheço bem.
Seus pais são a dona Ida, dona-de-casa, católica fervorosa, uma senhora com noventa anos de idade, saúde de ferro, muita opinião e assuntos para conversar, e o seu Ângelo, veterano da Segunda Guerra Mundial, na qual, dizia ele, tinha aprendido a aplicar injeção, aplicando. Estava sempre com um neto no colo, caminhando pela calçada, e vivia nos contando es(his?)tórias que adorávamos. Quando eu estava na casa dele e a madrugada vinha chegando, eu e a Lu matraqueando sem previsão de término, ele chegava na porta e dizia: "Arlete, quer que eu arme a cama de mola prá você?" - era o recado bem dado dele. Hora de partir.
Das pessoas da minha idade que me influenciaram, com certeza, ela foi a mais importante. Dei sorte. Com essa família enorme, e, óbvio, pelo temperamento também, sua inteligência e maturidade emocional sempre foram admiráveis. A gente discutia algum assunto, ela sempre tentava se colocar no lugar de todos os envolvidos, num exercício de empatia, e me ensinou a fazer o mesmo. Tinha muita tolerância à diversidade de pessoas e opiniões, e, também toda a criancice/ousadia de adolescente, comum entre a gente. Todo tipo de assunto, sem exceçào, dividíamos. Todas as dúvidas, angústias, ansiedades, tristezas, alegrias, tudo!
Trocamos muitas cartas através dos Correios, em férias e quando eu mudei para fazer a faculdade. Teve uma hora que enjoei do sobrenome dela, e a cada vez mandava um diferente, tipo piada. O carteiro entregava rindo. Ela pedia cartas cada vez mais longas. Mas não retribuía o favor direito. E dava a desculpa de ter menos assunto.
Em algumas poucas coisas éramos diferentes. Ela comprava roupa e mostrava tudo prá mim, peça por peça, toda feliz. Eu era menos vaidosa e ela se sentia traída porque eu não fazia o mesmo. Ela tinha muito mais vontade de se casar, ter filhos, e eu era mais focada em me tornar médica. E, por ironia do destino, houve uma época da nossa vida adulta em que eu era dona-de-casa, enquanto a carreira dela, como farmacêutica, e sua formação acadêmica estavam de vento em popa, com pós graduação e tudo.
Ela é o tipo de mulher que consegue o que quer, e faz bem feito o que se propõe a fazer. Tem um bom relacionamento com as pessoas, usa política limpa quando necessário, promove eventos em prol da saúde da comunidade em nossa cidade, cursos para aperfeiçoamento dos colegas, e muito mais. Foi eleita Conselheira Regional do Conselho Regional de Farmácia - SP, com milhares de votos, e homenageada na Câmara de Vereadores. Tem um casamento de vinte e um anos e dois filhos adoráveis. "O céu é o limite", eu digo prá ela, com toda certeza do que falo.
E de vez em quando ainda resolve ser cupido para mim. Risos. A essa altura do campeonato!
"Você não é uma amiga, você é uma parte de mim", me disse uma vez. E eu sinto exatamente a mesma coisa em relação a ela. Somos arquivos ambulantes das histórias que vivemos, juntas e separadas. Nos escolhemos como irmãs, por afinidade, e o tempo não mudou essa decisão. Mesmo as fases em que estivemos mais distantes, geograficamente e em termos de realidade, não abalaram a amizade.
Até hoje, contamos uma com a outra para dividir momentos bons e ruins. Ela é sensível, sabe o que falar, dá opiniões sinceras e equilibradas, e a cumplicidade entre a gente é absurda. Não há julgamento, e, quando há, é feito com amor e boa intenção.
Vou à casa da dona Ida sempre que posso, aos sábados à tarde, me encontrar com as minhas outras irmãs adotivas. É uma farra! Se tem um bebê, ele passa de colo em colo. Elas são amorosas, divertidas, transparentes, acolhedoras. É, verdadeiramente, uma reunião em família, para mim. Uma das famílias que Deus me deu, com laços mais fortes do que qualquer DNA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário