quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Mulherão (número 1)

Eu adoro homens. Principalmente no que os diferencia de mim. A forma mais objetiva de encarar a vida, com menos drama, a agressividade (se for na medida certa), que geralmente eu não tenho, a barba (se tiver), os pelos do peito (se tiver uns brancos, melhor), a forma triangular do tronco... Epa! Não! Para tudo! Esse post é sobre mulher. Deixa eu me recompor.
...
Eu nasci e fui criada por uma amazona. Das que lideram, resolvem, fincam pé, brigam, esperneiam, levantam o nariz e seguem em frente, com as consequências do que escolheram. Incansável, íntegra, honesta, trabalhadora, cheia de boas intenções, que nem sempre se concretizam, porque, afinal de contas, todo ser humano tem suas limitações. Mas alguém que nunca passa em branco. Ame ou odeie, dificilmente alguém não percebe a sua presença.
Talvez por isso, por gostar tanto dessa presença marcante, interagir com ela e ser beneficiada tão ricamente, eu sou atraída e atraio mulheres deste tipo de temperamento forte. E elas borboleteiam em volta de mim, entram e saem da minha vida em várias situações, ao longo de décadas, agora que eu já vivi algumas.
Existe uma lista grande, que inclui as minhas madrinhas de batismo e crisma, tia materna, algumas tias-avós, tias paternas e amigas. Eu reconheço em mim traços e lições que recebi delas, e sei de algumas diferenças, que nunca atrapalharam o bom relacionamento. A maioria tem mais idade que eu.
Hoje, escolhi falar da Vani.
Primeiramente, ela impressiona pela aparência física. Muito bonita! Alta, esguia, olhos azuis esverdeados, bem juntos, rosto alongado, nariz aquilino, beleza europeia. Veste-se bem, e mesmo casual, demonstra bom gosto.
Nos conhecemos quando eu tinha onze anos, meus pais tinham acabado de se separar. Ela era amiga de uma amiga da minha mãe, e seu marido a ajudou com a pensão alimentícia. Tem duas filhas com idade perto da minha, e eu fui várias vezes na sua casa, brincar com um jogo de química, Ficávamos misturando os líquidos coloridos, enquanto os adultos conversavam.
Quando eu tinha quatorze anos, ela me chamou para trabalhar como berçarista, em sua escolinha e berçário. Na epoca, não existia esse nonsense bem-intencionado de trabalho infantil, e eu já estava escolada em cuidar dos meus dois irmãos.
Houve o benefício óbvio de eu ter um salário e amenizar as contas da casa, mas a convivência com ela foi maravilhosa. Lembro-me de várias histórias, muitos conselhos, mas principalmente o que sinto é gratidão.
Ela tolerava o meu topete de adolescente, e sempre escutava tudo o que fosse dito, do começo ao fim, sem interromper e sem mudar a expressão facial, por mais que não concordasse. Respondia com palavras educadas e sabia que para eu acatar, tinha que fazer sentido. E, obviamente, sempre fazia. Ela era ótima administradora. Uma vez, me deu um presta-atenção, porque percebeu que uma outra professora da escola estava me manipulando, para eu ser a porta-voz de seus interesses, mas não assumia, na frente da Vani.
Outra situação interessante foi um amor imenso que eu senti por um dos aluninhos, e ele por mim. Por algum motivo, a gente se apegou muito. Ele me chamava de mãe, e às vezes eu ía na van com ele entregá-lo em casa, só para ficar junto mais tempo. Eu gostava dos pais e eles gostavam de mim, e do que estava acontecendo, aparentemente. As outras crianças percebiam, mas não tinham ciúmes. Porém, um dia, a Vani me chamou para uma conversa, porque estava sendo muito difícil para o menino ir embora. Ela pediu que quando os pais viessem buscá-lo, eu deixasse outra professora levá-lo ao portão. Explicou que muitas mães se sentem culpadas em deixar o filho na escolinha, e talvez fosse um peso a mais sentir que o filho estava tão agarrado com uma outra pessoa. Ela não queria arriscar que isso acontecesse. Não tenho como não admirar uma pessoa dessas. A atenção com os detalhes, o cuidado com o lado emocional dos outros, o aconchego, a dedicação... Não tem preço!
Várias vezes eu a via curtindo as crianças. Sentava-se no chão para brincar com elas, umas três de uma vez, com aqueles braços longos, que alcançavam qualquer um que tentasse lhe escapar do abraço, rindo.
Eu sei que cuidava de mim, também. Ficava acompanhando a minha vida amorosa, aconselhava, sabia que o meu caminho era os estudos, e que a minha mãe contava com a influência (boa) dela sobre mim.
Na época da matrícula do terceiro colegial, a minha mãe adoeceu, caiu de cama e eu me vi sem um adulto para fazer a minha matrícula. Ela nem piscou. Recolheu os meus documentos, falou com o padre, explicou a situação. Ele me deu uma bolsa de estudos integral, ela assinou com responsável por mim, e comprou o material escolar.
Deixei de trabalhar na escolinha, quando passei a fazer cursinho à noite, e a escola, de manhã. Ficou muito cansativo.
No dia em que soubemos que eu passei no Vestibular, minha mãe e eu a procuramos. Ela vibrou! Disse que, coincidentemente, tinha sonhado com um amigo de infância, a noite toda, e ele era médico em Santos, onde eu estudaria. Só podia ser um sinal! Me mudei para lá com uma carta dela me apresentando para ele, uma pessoa incrível, também, que me apadrinhou em vários sentidos e me ajudou a me formar. Coincidentemente, ele tem duas filhas, com os mesmos nomes das filhas dela. Amo as quatro como irmãs, por extensão ao amor que tenho pelos dois.
Ela esteve na minha formatura, no meu casamento, e a gente se vê de vez em quando para um café. Conversar com ela me ensina algo, toda santa vez. Atualmente, ela me orienta a criar adolescentes.
Eu sinto que recebi e recebo muito mais dela do que ela de mim. Então, só posso acreditar que é uma bênção ter seu amor, e ela foi uma das pessoas que Deus enviou para mim como presente, quem sabe acertei em alguma coisa na vida passada, risos... Eu espero que um dia eu também seja leme, exemplo e bênção na vida de alguma pessoa mais novinha, além dos meus filhos. Porque aí as coisas boas vão sendo passadas prá frente, e a existência da Vani não beneficia apenas a mim, nesse sentido.

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